Sentimento. O substantivo para a ação de sentir. A palavra ainda existe no dicionário, mas em que medida ainda existe dentro de nós? Ainda haveria sentimento no interior dos seres humanos? Ou, como disse um grande amigo escritor, “o ser humano faz o Diabo tremer”?
“Palavra brega”, disse Antônio, meu amado filho, quando o questionei sobre o que sentia em relação à sua instituição escolar. “Não sinto nada, mãe, não preciso sentir nada, só preciso estudar e passar no Enem.”
Será que ter sentimento ficou brega, démodé, old fashion, cursi? Ou o fato de expressá-lo, o tal do “ser emocionado” é que não está mais “colando” entre adolescentes? Difícil, mesmo, é quando a emoção também deixa de bater nos corações das gerações anteriores, das que, por exemplo, viveram as misérias da Ditadura, ou, ainda, dos filhos desses revolucionários, ou seja, dos que, assim como eu, ouviram vívidos relatos sobre esse sórdido período da história do Brasil.
Profissionalmente imersa no oceano jurídico, creio que o ato de sentir ainda decidirá muitas vidas postas sob os martelos dos juízes, em suas sentenças. Esperamos tão somente que este sentir permaneça imparcial, já que também durante certo e angustiante interregno político ficamos à mercê de julgamentos parciais que atrasaram sobremaneira o avanço político do nosso país.
Como diria a turma da Jovem Guarda, o lance, bicho, é que ficou complicado compreender a falta de sentimento daqueles que, durante um marcante momento de suas vidas, lutaram com força e júbilo pela construção de um mundo melhor, mais justo, igualitário e pacífico.
De outro giro, é ainda mais angustiante ver adultos comportando-se como os representantes da geração Z/ millenials. Os tais “kidults” não percebem o ridículo de imitar jovenzinhos que cresceram com o olhar restrito às telas de celulares e computadores, limitando e, até mesmo, eliminando, como num clique de controle remoto sentimentalidades inesquecíveis.
Quem viveu não esquece a emoção de ter dado (ou recebido) o primeiro beijo numa festa americana regada a refrigerantes e ki-sucos, de dividir o chiclete Trident com a ficante (pois só tinha o dinheiro para a passagem do busão), de tomar porre de conhaque Dreher ao som da banda A-Ha (belos e exóticos noruegueses que cobriam as paredes dos quartos femininos) e de curtir, com prazer, o início do funk, do axé, entre outros estilos, que, bregas ou não, fizeram vibrar os nascidos na geração X (ilari, ilari, ilariê...).
Hoje, esses velhos rapazes (que estão mais para “tios da Sukita” do que pra cantores de K-Pop), querem me convencer que sentimento é coisa cafona, ultrapassada, anacrônica... Ora, pois, puídos mancebos, vocês não me convencem. Eu sei o que vocês fizeram nos verões passados, caros telespectadores de Jaspion! Eu sei que todos se emocionaram com a derrota de Gyodai, bem como tiveram sentimentos sinceros por Anri, a fiel parceira desse memorável herói japonês.
Aos insensíveis, ódio ou compaixão; aos emocionados, as batatas das relações verdadeiras! Pois todos lemos Quincas Borba, de Machado de Assis, na época do Vestibular. Chocante, não é?
Advogada e escritora pernambucana radicada em Vitória, a cidade que escolheu para viver. Leitora dedicada desde a infância, nesta página compartilha textos que falam da vida e dos livros, se é que seja possível distinguir entre eles.
© 2022 Marcela Guimarães Neves