As singelas tesselas, pedaços de matéria fina, são delicadamente postas no quadrante artístico da tela. Há espaços vazios entre elas, como pausas no tempo da imagem, como respiros para evitar o choque ou a má disposição dos fragmentos.
É assim que trabalham as musas, já que o mosaico revela a arte delas. É pensando em encontros e distâncias que elas brincam de formar o desenho, aquele que de perto são só pequenos cacos fixados, mas que de longe nos mostra a sua efígie completa.
Penso a vida como um mosaico. Temos um tempo e um espaço. As tesselas se apresentam como que espalhadas pelo acaso. Às vezes são fatos, às vezes pessoas, outras vezes são estruturas da nossa própria imaginação. Mas, noutras ocasiões, nem sempre, podemos escolher boas peças, materiais brilhantes, que deixem mais reluzente a nossa arte-vida. Ou topamos com elas, e aqui o importante é não as perder, porquanto podem ser decisivas para a derradeira representação.
Ninguém deve ser definido por uma peça ou por algumas delas. É o conjunto que importa, e esse só vamos visualizar na última mirada, no último retoque. O que procuramos ou achamos durante o percurso da existência são elementos necessários para a montar o quebra-cabeça do destino. O encaixe das peças exige cuidado, os espaços, máximo ou mínimo, devem ser respeitados. A vacuidade é elo mantenedor da união do todo.
O desafio do mosaico reside no fato de que a colagem dos itens dificulta sua retirada. Arte feita de escolhas e consequências. Arte nerudiana. A possibilidade de rascunho em desenho não garantirá o resultado. A aposição dos reduzidos objetos é praticamente definitiva. A liberdade está na opção individual por cada um, mas, uma vez colados, não há possibilidade de retorno sem danificar o conjunto.
O complexo jogo das musas pode nos divertir ou nos aturdir. No entanto, é inegável que a vida pode ser vista como uma olímpica obra de arte, cabendo a nós a missão de construí-la a cada dia, com sonho, dedicação e ousadia.
Advogada e escritora pernambucana radicada em Vitória, a cidade que escolheu para viver. Leitora dedicada desde a infância, nesta página compartilha textos que falam da vida e dos livros, se é que seja possível distinguir entre eles.